Relator: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
Órgão julgador:
Data do julgamento: 11 de novembro de 2025
Ementa
RECURSO – Documento:6909615 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5006060-98.2023.8.24.0018/SC RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto em Ação de Rescisão Contratual contra sentença (evento 47, DOC1) que condenou a parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, todos já qualificados nos autos. O magistrado entendeu que não havia interesse processual quanto à rescisão contratual e devolução de valores, diante da existência de Termo de Acordo Extrajudicial firmado entre as partes, que configurava ato jurídico perfeito com efeitos equivalentes à rescisão e à definição de valores a restituir. No entanto, reconheceu a existência de interesse processual quanto ao reembolso de despesas com aluguel e à indenização por danos morais, pois tais verbas não foram abrangidas no referido termo.
(TJSC; Processo nº 5006060-98.2023.8.24.0018; Recurso: Recurso; Relator: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 11 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6909615 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5006060-98.2023.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
RELATÓRIO
Trata-se de Recurso de Apelação interposto em Ação de Rescisão Contratual contra sentença (evento 47, DOC1) que condenou a parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, todos já qualificados nos autos.
O magistrado entendeu que não havia interesse processual quanto à rescisão contratual e devolução de valores, diante da existência de Termo de Acordo Extrajudicial firmado entre as partes, que configurava ato jurídico perfeito com efeitos equivalentes à rescisão e à definição de valores a restituir. No entanto, reconheceu a existência de interesse processual quanto ao reembolso de despesas com aluguel e à indenização por danos morais, pois tais verbas não foram abrangidas no referido termo.
Alega o apelante/réu (evento 52, DOC1), em síntese, que o Termo de Acordo Extrajudicial firmado entre as partes em 06.09.2022 solucionou definitivamente todas as obrigações entre as partes; que a sentença incorreu em contradição ao reconhecer validade do acordo e, mesmo assim, impor condenações residuais em danos morais e materiais; que a condenação por danos morais não encontra respaldo contratual, sendo indevida, e ainda foi arbitrada em valor superior ao pedido inicial; que a condenação ao pagamento de aluguéis também é indevida, por ausência de previsão no termo de acordo; que houve distribuição desproporcional das custas e honorários sucumbenciais, pois a autora logrou êxito em percentual mínimo da demanda; que o pedido de gratuidade de justiça foi indevidamente indeferido, sem oportunização para comprovação da hipossuficiência.
Pediu, nestes termos, a exclusão das condenações por danos morais e materiais (aluguéis); a reforma da distribuição das custas e dos honorários; o deferimento do benefício da gratuidade de justiça.
Também em síntese, a apelada/autora (evento 60, DOC1) aduz que firmou acordo com a ré de forma amigável, mas esta deixou de cumprir o pagamento das parcelas pactuadas; que sofreu danos materiais diante da necessidade de locação de imóvel no período em que a obra deveria estar concluída; que enfrentou prejuízos psíquicos e financeiros diante do descumprimento contratual da ré, caracterizando danos morais; que o juiz de primeiro grau analisou adequadamente a prova documental e decidiu com base na boa-fé objetiva e nos princípios do CDC; que o valor fixado a título de danos morais foi justo diante da angústia e frustração experimentadas; que os pedidos da apelante não merecem prosperar, pois não impugnam concretamente os fundamentos da sentença.
Decisão do culto Juiz Jeferson Osvaldo Vieira.
O processo seguiu os trâmites legais.
É o relatório do essencial.
VOTO
Nego provimento ao recurso.
1. Gratuidade
À vista da documentação acostada pela apelante (evento 52), defiro a ela a gratuidade de justiça.
2. Abrangência do acordo extrajudicial
As partes transacionaram extrajudicialmente a rescisão do contrato, antes mesmo do ingresso da ação, o que motivou a sua extinção parcial por ausência de interesse processual.
Com efeito, o juízo de origem compreendeu que o ajuste celebrado restringia-se à devolução dos valores pagos pela execução da obra, sem abranger pretensões relativas a danos morais ou materiais decorrentes de despesas com aluguel. Já a tese central defendida pelo apelante reside justamente na impossibilidade de reabertura da controvérsia, sob o argumento de que o acordo teria exaurido todas as questões atinentes à relação jurídica discutida.
Vejamos.
O instrumento mencionado repousa no evento 1, DOC4, e dele extraio que a dívida assumida pela ré, de fato, representa os investimentos feitos pela autora:
Ainda assim, compreendo que o referido ajuste não se limitou à reparação material, tendo por finalidade conferir ampla e definitiva resolução à relação jurídica então existente entre as partes.
De início, observo que o próprio instrumento foi intitulado de "Termo de acordo extrajudicial, promessa de pagamento e outras avenças", sugerindo que seu objeto vai além do reconhecimento da dívida.
Sua finalidade é confirmada, ainda, no introito do contrato:
Mas ganha destaque a cláusula oitava do contrato, de seguinte teor:
Extraio que, embora a "plena, geral e irrevogável quitação" se refira aos "valores [...] da obra não executada", a autora se comprometeu a "nada mais reclamar" em relação à própria "obra não executada".
S.m.j., a autora manifestou, naquele momento, sua concordância em encerrar o conflito a partir da restituição dos valores investidos.
É como se decidiu no seguinte julgado:
[...] CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO -TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL - ACORDO VÁLIDO - OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA -DESPROVIMENTO
Firmada transação extrajudicial, não se pode mais discutir a reparação derivada do evento objeto do ajuste. Em regra, a quitação ampla geral e irrevogável, para nada mais reclamar, constante do acordo celebrado, tem a presunção de validade e eficácia, não sendo viável ação judicial objetivando a ampliação da verba indenizatória aceita e já recebida. (TJSC, Apelação n. 0317005-43.2016.8.24.0038, do , rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 11-3-2025)
Não bastasse, as partes estavam representada por uma mesma advogada, uma vez que o acordo seria benéfico para ambas:
Ora, não se afigura plausível que o autor se comprometesse, de forma gratuita, à restituição integral dos valores sem adotar as cautelas necessárias para assegurar-se de que não seria posteriormente demandado judicialmente.
Desse modo, concluo que o ajuste celebrado entre as partes abrangeu todas as questões decorrentes do contrato originalmente firmado.
Há, todavia, um detalhe bastante importante: a cláusula oitava aqui discutida prevê que a quitação ampla e geral se daria somente "após o recebimento total dos valores", o que não ocorreu.
Ou seja, o contratado conquistaria a quitação plena, ampla e irrestrita se houvesse honrado com o compromisso assumido, de quitação da dívida. Pagou, contudo, somente a entrada, tornando-se inadimplente em relação às 10 parcelas previstas.
Vale, aqui, o brocardo exceptio non adimpleti contractus. Assim, embora vigente a força obrigacional em relação aos valores devidos pelo réu, confirmo a sentença que reconheceu a existência de interesse processual quanto ao reembolso de despesas com aluguel e à indenização por danos morais.
Rejeito, assim, a tese recursal.
3. Danos materiais (aluguel)
O sentenciante considerou incontroverso, pois reconhecido no próprio termo de acordo, que a empresa não executou a obra no prazo contratual; que como a obra não foi entregue no prazo, a autora foi obrigada a alugar outro imóvel para morar, o que gerou prejuízo material diretamente causado pela inexecução; que estão comprovados os pagamentos por documentos juntados no evento 13.
O recorrente, de seu turno, sustentou unicamente que, com o acordo firmado, todas as pendências contratuais foram solucionadas, inexistindo base legal para qualquer reparação adicional.
Entretanto, como visto acima, o apelante não cumpriu com sua parte no acordo, pelo que não tem validade a cláusula que daria por definitivamente solucionada a relação entre as partes.
4. Danos morais
O juiz entendeu que, em situações como a dos autos - construção de casa própria não entregue -, o dano moral é presumido (in re ipsa), ou seja, decorre naturalmente da frustração do projeto de vida e do sofrimento experimentado.
Destacou que a autora investiu R$ 150.000,00 em uma obra de R$ 220.000,00, mas recebeu apenas R$ 20.000,00 em serviços efetivos, restando sem moradia e obrigada a pagar aluguel.
Essa situação, segundo ele, causou “acentuada perturbação psicológica” e atingiu o equilíbrio emocional e o bem-estar da consumidora.
E com acerto o julgado.
O recorrente não logrou êxito em infirmar as conclusões lançadas na sentença, limitando-se a reiterar a alegação de que o termo de acordo não contemplou qualquer previsão de indenização por dano moral, razão pela qual o magistrado não poderia instituir obrigação não pactuada entre as partes.
A matéria, todavia, já foi devidamente examinada acima, revelando-se despicienda maiores considerações sobre o ponto.
Quanto ao valor arbitrado - R$ 20.000,00 (vinte mil reais) - entendo-o razoável, notadamente porque, não bastasse a frustração pela não concretização da obra, a autora viu-se novamente ludibriada após o não cumprimento do acordo, estando ainda aguardando a restituição dos valores investidos.
Não há, também, falar em julgamento ultra petita, pois não houve delimitação do quantum indenizatório na inicial. Foi requerida, em verdade, a condenação da ré em valor "não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais)", de forma que não houve qualquer limitação da mensuração dos danos pelo magistrado.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES EM CONTA CORRENTE, INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. [...]
RECURSO DA COOPERATIVA DE CRÉDITO RÉ. [...]
QUANTUM INDENIZATÓRIO. ARGUIÇÃO DE DECISÃO ULTRA PETITA, PORQUANTO A SENTENÇA FIXOU A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM VALOR SUPERIOR AO PEDIDO NA EXORDIAL. VÍCIO INEXISTENTE. PETIÇÃO INICIAL QUE MENCIONA VALOR MÍNIMO, DEIXANDO AO ARBÍTRIO DO MAGISTRADO A FIXAÇÃO DO MONTANTE INDENIZATÓRIO.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5002510-54.2021.8.24.0022, do , rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 27-03-2025).
5. Honorários recursais
Negado, assim, o recurso em sua integralidade, condeno o recorrente em honorários recursais, majorando em 5% o montante arbitrado na origem.
6. Ônus sucumbenciais
A responsabilidade pelas despesas processuais foi adequadamente distribuída, haja vista que a autora, embora derrotada no pedido mais vultoso (restituição dos valores pagos), sagrou-se vencedora em maior número de teses (danos materiais e danos morais). Não houve, ademais, julgamento de improcedência, mas de extinção do pedido de rescisão justamente por reconhecer que a pretensão da autora já está garantida pelo acordo extrajudicial.
Nesse passo, a distribuição de 60% das despesas processuais para a autora e 40% para o réu, não merece reforma.
Por fim, para viabilizar a interposição de recurso às Cortes Superiores, ficam desde já devidamente questionadas todas as matérias infraconstitucionais e constitucionais suscitadas pelas partes. Ressalta-se que não é necessária a citação numérica dos dispositivos legais, sendo suficiente que a questão tenha sido debatida e decidida por este TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5006060-98.2023.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
EMENTA
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE EXECUÇÃO DE OBRA. ACORDO EXTRAJUDICIAL CELEBRADO ENTRE AS PARTES. EXTENSÃO DO AJUSTE QUE ABRANGE TODAS AS QUESTÕES DECORRENTES DO CONTRATO ORIGINAL. QUITAÇÃO GERAL, contudo, CONDICIONADA AO CUMPRIMENTO INTEGRAL DAS OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS. INADIMPLEMENTO DO RÉU. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO JUDICIAL SOBRE DANOS MATERIAIS E MORAIS. DESPESAS COM ALUGUEL CONFIGURADAS. DANO MORAL PRESUMIDO EM RAZÃO DA NÃO ENTREGA DA OBRA. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$ 20.000,00 MANTIDO. INOCORRÊNCIA DE JULGAMENTO ULTRA PETITA. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS ADEQUADA. HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS. RECURSO DESPROVIDO.
1. A quitação ampla e geral prevista em acordo extrajudicial condiciona-se ao cumprimento integral das obrigações pactuadas, não produzindo efeitos liberatórios em caso de inadimplemento. Assim, descumprido o acordo, permite-se a rediscussão judicial de danos decorrentes da inexecução.
2. A fixação de indenização em valor superior ao mínimo indicado na inicial não caracteriza julgamento ultra petita.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, (i) conceder a gratuidade à recorrente e (ii) negar provimento ao recurso, condenando a recorrente em honorários recursais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6909616v4 e do código CRC 52b5913c.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
Data e Hora: 11/11/2025, às 18:53:36
5006060-98.2023.8.24.0018 6909616 .V4
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:20:29.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 17/11/2025
Apelação Nº 5006060-98.2023.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
PRESIDENTE: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON
PROCURADOR(A): BASILIO ELIAS DE CARO
Certifico que este processo foi incluído como item 98 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 15:39.
Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, (I) CONCEDER A GRATUIDADE À RECORRENTE E (II) NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, CONDENANDO A RECORRENTE EM HONORÁRIOS RECURSAIS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
Votante: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
Votante: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON
Votante: Desembargador Substituto MARCELO PONS MEIRELLES
JONAS PAUL WOYAKEWICZ
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:20:29.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas